quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A EFVM E A CIA. BRASILEIRA DE MINERAÇÃO E SIDERURGIA (1939-1942) - PARTE 3

Entre 1939 e 1941 a política americana frente ao Brasil passou a dar ênfase a uma maior aproximação política e militar, com os Estados Unidos comprometendo-se fornecer vários pacotes de ajuda econômica, militar e industrial, em troca dos estabelecimentos e uso pelos americanos de bases militares no nordeste brasileiro.
Como um dos pontos mais importantes para o Brasil era a solução do “problema siderúrgico”, os Estados Unidos concordaram em financiar a construção da grande usina de Volta Redonda, RJ, criando-se assim a Companhia Siderúrgica Nacional.
A questão da exportação de minério pelo vale do rio Doce também tinha grande importância estratégica para os Estados Unidos, já que a disponibilidade de fontes alternativas de minério de ferro era considerada prioritária para abastecer o esforço de guerra americano.
Se antes da guerra as antigas ligações de Farqhuar com poderosos grupos siderúrgicos da Alemanha nazista sempre foram vista com certa desconfiança por influentes banqueiros americanos, a crescente cooperação econômico-militar entre o Brasil e os Estados Unidos criava todas as condições para que o Governo americano oferecesse ao Brasil os meios para garantir que o suprimento do minério de ferro de Itabira para os Aliados ficasse sob controle do Governo brasileiro.
Os americanos também se preocuparam até com a segurança do projeto de exportação de minério de ferro, já que desde o inicio da guerra os seus serviço de inteligência militar, bem como os da Inglaterra, vinham rastreando o interesse de agentes dos serviços de espionagem nazistas nos portos brasileiros.
Numa carta interceptada logo após a entrada dos Estados Unidos na guerra em dezembro de 1941, uma espiã nazista “passando” de navio por Vitória rumo a Recife descrevia a cidade como uma “... bela baía natural com sua enorme quantidade de minérios (sic) descoberta pelos americanos (sic)... onde  está sendo construída uma maravilhosa estação para desembarque do minério diretamente da ferrovia para os navios...”.
A aliança militar entre o Brasil e os Estados unidos foi consolidada ao final de janeiro de 1942 com o rompimento brasileiro de relações com os países do Eixo, sendo intensificadas as negociações entre os dois Governos dentro do programa para mobilização econômica do hemisfério ocidental.
Como parte dos chamados Acordos de Washington, assinados pelo Brasil, Inglaterra e Estados Unidos em 3 de março de 1942, os Estados Unidos negociaram diretamente com o Governo inglês o resgate de todos os bens da Itabira Iron no Brasil e a transferência gratuita dos mesmos para o Governo brasileiro, cabendo ao Brasil, dentre outras cláusulas, fazer a encampação da CBMS e da EFVM, organizar uma nova empresa brasileira para exploração das minas, prolongar a EFVM até Itabira, terminar a construção do cais de minério em Vitória e reaparelhar toda a EFVM para transportar no mínimo 1,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
A Inglaterra e os Estados Unidos se comprometeram a comprar todo o minério transportado pela EFVM de acordo com preços pré-estabelecidos enquanto durassem as condições de guerra, enquanto os Estados Unidos, através do Eximbank, abriram um generoso crédito de 14 milhões de dólares para financiar todo empreendimento.
No dia 1 de junho de 1942 o Presidente Getúlio Vargas expediu o decreto lei 4.352 criando a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), como empresa estatal de economia mista dedicada à exploração e comercialização de minério de ferro, incorporando  a ela o patrimônio formado pelas minas de Itabira e a EFVM.
Farqhuar, que continuava no Brasil, ficou perplexo quando soube da encampação da CBMS e da Companhia Itabira de Mineração, mas com a sua longa experiência no mundo dos negócios, acabou resignado a s considerar mais uma “vítima de guerra” como tantas outras daquele período.

Confiando no futuro da vale do rio Doce como o “vale do aço brasileiro” e com as indenizações pagas posteriormente pelo governo brasileiro, Farqhuar e seus sócios fundaram em 1944 a Aços Especiais Itabira – ACESITA – construída no final dos anos de 1940 como a primeira usina siderúrgica brasileira dedicada à fabricação de aços especiais que teriam demanda garantida com o avanço da industrialização do Brasil a partir da segunda metade do século XX.

domingo, 8 de outubro de 2017

A EFVM E A CIA. BRASILEIRA DE MINERAÇÃO E SIDERURGIA (1939-1942) - PARTE 2

Mesmo assim, era necessário uma maneira mais eficiente para se fazer o carregamento do minério nos navios e como a CBMS não dispunha de recursos para construir a linha e as instalações previstas para o porto de Santa Cruz, a solução foi encontrar uma área para silos de transbordo dentro da própria baía de Vitória.
A CBMS planejou então um cais de minério junto ao morro do Atalaia, no município de Vila Velha, do outro lado da baía e em frente ao porto do Vitória, permitindo que os trens pudessem ser descarregados por gravidade diretamente sobre u grande silo de armazenamento de onde o minério seria levado até os navios por meio de correias transportadoras.
Por um acordo celebrado entre a CBMS e o Governo do Espírito Santo em junho de 1941, este ficava como proprietário e responsável pelas obras do cais e do silo de armazenamento, enquanto a CBMS providenciava a construção do ramal de acesso, que começava no pátio da estação de Pedro Nolasco e seguia pelas encostas do morro do Paul até fazer uma volta completa em torno do morro do Atalaia.
O projeto do cais de minério da EFVM na baía de Vitória foi uma das obras de engenharia mais interessantes no Brasil da primeira metade do século XX, e um justo tributo à imaginação e à capacidade empreendedora de Percival Farqhuar.
Tivesse ele renunciado antes aos inúmeros privilégios que pretendia, feito a remodelação da EFVM e garantindo o tráfego público nas suas linhas, certamente estaria colhendo lucros sem precedentes com o agravamento da guerra na Europa e na África, além de se colocar novamente como um dos homens mais poderosos e influentes do Brasil, face à oposição estratégica da Itabira Iron e da EFVM para o suprimento de minério de ferro para a Inglaterra e os Estados Unidos.
Estimulado pelo modesto sucesso das exportações de minério feitas em 1940, Farqhuar preparou vários projetos para remodelação e reaparelhamento da EFVM visando várias metas para o transporte de 1 milhão a 1,5 milhões de toneladas anuais já para o ano de 1941.
O principal problema ainda a resolver era a obtenção dos empréstimos necessários nos Estados Unidos, onde o crédito já estava restrito, face ao indisfarçável estado de beligerância com os países do Eixo.
Para pressionar os países da América do Sul, e, sobretudo o Brasil, a não manter relações comerciais com os países do Eixo, o Governo americano publicou em junho de 1941 uma lista de empresas com capital ou acionista majoritários da Itália ou Alemanha, com as quais ficava proibido a manutenção de negócios por qualquer empresa ou bancos americanos.
Com a guerra prestes a se alastrar pela Ásia e o Atlântico Sul, Farqhuar ainda conseguiu negociar com a Itabira Iron uma opção de arrendamento das minas por 25 anos, incluindo novamente a possibilidade da compra de todas as propriedades da Itabira Iron no Brasil ao término deste período.
De posse desta opção, Farqhuar organizou no Brasil a Companhia Itabira de Mineração em dezembro de 1941, propondo que seus acionistas adquirissem a opção negociada por ele uma indenização de quase 1,5 milhões de dólares pelas despesas e compromissos com os projetos acumulados desde 1919.
Para facilitar  negociação, Farqhuar propôs que o pagamento fosse feito sob a forma de ações preferenciais e debentures sem direito a voto, na esperança de que o empreendimento ainda tivesse um grande e lucrativo futuro pela frente.

Na verdade a Companhia Itabira de Mineração não chegaria a operar plenamente, já que sua atuação acabou sendo prejudicada, ironicamente, pelos acontecimentos políticos agravados pela entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. 

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A EFVM E A CIA. BRASILEIRA DE MINERAÇÃO E SIDERURGIA (1939-1942) - PARTE 1

Como Farqhuar sabia que a perda do contrato da Itabira Iron era inevitável, ele procurou ganhar tempo, negociando desde o início de 1938 a compra da EFVM por uma nova empresa constituída dentro das novas leis brasileiras.
Concluídas as negociações, Farqhuar em conjunto com um grupo de empresários e banqueiros brasileiros ligados aos setores de mineração de carvão, ferro e manganês, fundou em 7 de agosto de 1939 a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia (CBMS), que incorporava como seu principal patrimônio a EFVM.
O início da Segunda Guerra Mundial na Europa em 1 de setembro de 1939 mudou completamente  situação internacional, permitindo Farqhuar conseguisse obter dos acionistas ingleses uma nova opção de compra de todas as jazidas da Itabira Iron no Brasil, inclusive com a redução do preço para 325.000 Libras Esterlinas.
Com a previsão de que em breve a Inglaterra e os Estados Unidos demandariam uma grande quantidade de minério de ferro para o seu esforço de guerra, Farqhuar finalmente se interessou pele efetiva remodelação da EFVM.
Mesmo com a imprensa controlada e sob forte censura imposta pelo Estado Novo, o clima político brasileiro fervilhava com a polêmica em torno do que os jornais chamavam de “Novo Problema Siderúrgico”, debatendo-se diariamente as mais diversas opções para a questão do minério de ferro e da implantação da chamada “grande siderurgia” no Brasil.
Em meio a toda esta polêmica, as comissões do Governo Federal que estudaram o contrato da Itabira Iron já haviam decidido discretamente separar as questões da siderurgia e da exportação de minério de ferro, estimulando o Governo a manter negociações sigilosas sobre este assunto nos Estados Unidos, com a promessa de que o Banco de Exportação e Importação Americano – Eximbank – estaria disposto a financiar a encampação da EFVM pelo Governo brasileiro e o seu reaparelhamento para o transporte de minério de ferro.
Tal como Farqhuar havia previsto, a guerra na Europa fez com que a mera disponibilidade do minério de ferro brasileiro ganhasse uma nova dimensão estratégica para os Estados Unidos, permitindo Farqhuar negociasse os primeiros contratos de exportação com grandes usinas siderúrgicas americanas.
Estes contratos permitiam finalmente que a CBMS desde início à exploração das jazidas do pico Cauê, em Itabira, no início de 1940, assim como contratar as obras para o prolongamento da EFVM até Itabira.
O Governo brasileiro, que nesta época já planejava secretamente uma intervenção definitiva na questão do minério de ferro da Itabira, preferiu não se opor a CBMS explorasse as jazidas da Itabira Iron e tivesse o controle da EFVM, autorizando finalmente a incorporação da EFVM pela CBMS em 28 de junho de 1940.
Como a linha da EFVM ainda não chegava a Itabira, o minério tinha que ser carregado manualmente em caminhões comuns, para ser levado até a estação de Desembargador Drumond (novo nome da EFVM em São José da Lagoa a partir de 1939), onde era feito o transbordo dos caminhões para os vagões da EFVM.
Chegando ao porto, o minério era manualmente descarregado dos caminhões e empilhado sobre os cais, de onde era feito o transbordo para os navios.

A baldeação do minério feita por caminhões entre Pedro Nolasco e o porto de Vitória terminou em junho de 1941, com a inauguração do ramal ferroviário Ponte Florentino Ávidos, permitindo que os trens de minério da EFVM fossem descarregados diretamente no cais do porto.