terça-feira, 24 de novembro de 2015

A EFVM E A ITABIRA IRON: PRIMEIRA FASE (1910-1919)

Foi justamente em meio a toda esta crise, em 1908, que um grupo de empresários ingleses procurou a diretoria da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas para saber do interesse em transportar minério de ferro da região de Itabira em Minas Gerais – onde sabiam existir grandes jazidas de minério de ótima qualidade – até o porto de Vitória por um preço de frete pré-estabelecido.

Interessados na possibilidade de se dar um novo e definitivo impulso econômico para a EFVM, seus diretores contrataram imediatamente um estudo de viabilidade de acordo com as condições que o grupo inglês havia proposto.

Este estudo, apresentado pelo engenheiro Emílio Schnoor em janeiro de 1909, concluía que o transporte dentro dos preços pré-estabelecidos pelos ingleses era viável desde que o traçado da ferrovia fosse alterado de Diamantina para Itabira. Esta já havia sido construída dentro de padrões técnicos mais rigorosos, dotada de trilhos e pontes de maior capacidade e eletrificada em toda sua extensão, aproveitando o potencial hiroelétrico existente no próprio rio Doce e seus afluentes. O estudo também recomendava que a linha já construída entre Vitória a Colatina fosse inteiramente retificada ou substituída por outra de condições mais eficientes.

Satisfeito com a conclusão deste estudo, o grupo inglês voltou à Inglaterra e lá organizou o Brazilian Hematite Syndicate, que imediatamente comprou as fazendas onde ficavam as principais jazidas de minério de ferro na região de Itabira.

Não desejando perder a vantagem que possuía, o Brazilian Hematite Syndicate negociou com Pedro Nolasco uma opção para compra do controle acionário da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas, condicionada à aprovação pelo Governo Federal da mudança do traçado da EFVM de Diamantina para Itabira.

O Governo Federal, ao mesmo tempo interessado no desenvolvimento que a exportação de minério de ferro poderia trazer para o país, mas também pressionado por influentes políticos mineiros que queriam uma ferrovia para Diamantina, acabou agindo para atender ambas as partes, concordando, em princípio, com a mudança do traçado da EFVM para Itabira, mas autorizou, primeiramente em junho de 1909, que a Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas construísse um “ramal da EFVM” até Diamantina, só que partindo de Curralinho (atual Corinto, MG), onde poderia fazer o entroncamento com a linha do Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB).

Como a diretoria da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas aceitou o acordo nestas condições, obrigando-se a construir este “ramal da EFVM”, destinado a nunca fazer uma ligação com a linha tronco da EFVM entre Vitória e Itabira, isso só pode ser explicado pelo espirito audacioso de Pedro Nolasco e Teixeira Soares em apostar o futuro da EFVM no desenvolvimento da exportação do minério de ferro.
Cumprindo a outra parte do acordo, o Governo Federal aprovou a mudança do traçado da EFVFM para Itabira num decreto de dezembro de 1909, impondo ainda várias outras obrigações como a eletrificação e a remodelação da linha, e o estabelecimento de uma usina siderúrgica capaz de uma produção anual mínima de 120.000 toneladas.

Com a mudança do traçado aprovado pelo Governo federal, o Brazilian Hematite Syndicate, finalmente, adquiriu em 1910 o controle acionário da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas, garantindo a efetiva propriedade da EFVM.

O ramal de Diamantina com cerca de 148 km entre Curralinho e Diamantina, também referido como “ramal da EFVM” ou “Linha de curralinho” nos relatórios da EFVM, começou a ser construído  a partir de Curralinho ainda em 1909, chegando a Diamantina com a inauguração desta estação no dia 5 de maio de 1914.

Como já era previsto, a exploração do ramal Diamantina acabou sendo inteiramente deficitária, tornando-se um fardo econômico para a EFVM, até que a sua diretoria conseguisse habilmente que o ramal fosse encampado pelo Governo Federal e entregue à Central do Brasil em novembro de 1920, inclusive com pagamento pelo Governo de uma indenização parcial pelo valor dos bens e materiais existentes.

Quando as negociações para o transporte de minério de ferro já estavam praticamente acertadas com o Brazilian Hematite Syndicate durante o ano de 1910, foram elaborados também projetos detalhados para eletrificação de toda a EFVM, incluindo os trechos a construir e remodelar.

O projeto de eletrificação foi contratado à firma inglesa Dick, Kerr & Company e orçado em ₤ 3,640,000.

Na Inglaterra, com a associação de banqueiros poderosos, o Brazilian Hematite Syndicate foi reorganizado numa nova firma denominada Itabira Iron Ore Company, autorizada a se estabelecer como empresa no Brasil em junho de 1911.

Entretanto, a legislação brasileira da época exigia que a exportação de minério fosse aprovada também pelo Governo de Minas Gerais, e este exigiu que a Itabira Iron pagasse adiantado uma quantia referente ao frete acordado por um determinado período.

Como a Itabira Iron se recusou a fazer este pagamento, todo empreendimento no Brasil ficou praticamente paralisado, incluindo as obras de eletrificação que mal haviam começado.

Apenas a construção da linha continuou da mesma forma precária e econômica anterior e assim mesmo só até janeiro de 1915 por conta do inicio da Primeira Guerra Mundial. A estação de Figueira do Rio Doce (atual Governador Valadares, MG) foi inaugurada em agosto de 1910, e até o final de 1914 estavam abertas ao tráfego 443 km de linhas e 26 estações.

Mesmo com a questão do contrato com o Governo de Minas Gerais não tendo sido resolvida, a Itabira Iron tentou sem sucesso obter os capitais necessários para realização de seu empreendimento no período entre 1911 e 1914.

Novos projetos detalhados foram elaborados, desta vez por Gustave Gillman, que desde 1910 era o engenheiro-chefe e superintendente geral da EFVM.

O “Plano Gillman”, como ficou conhecido, foi o primeiro a contemplar a construção de um porto dedicado ao transbordo de minérios em navios de grande calado, escolhendo para isto um local às margens do Rio Piraqueassú, a cerca de 5 km de sua foz no Oceano Atlântico, conhecido como porto de Santa Cruz (atual Aracruz, ES), eliminando com isto a necessidade de se retificar a maior parte do péssimo traçado entre Colatina e Vitória.

O novo projeto previa condições técnicas ainda melhores para o transporte de minério.

Pelo novo traçado do “Plano Gillman”, a linha da EFVM prosseguiria pela margem esquerda do Rio Doce após cruzar o Rio Santo Antônio, continuando até a foz do Rio Piracicaba e daí pelo vale deste rio, e depois pelo vale do Rio do Peixe até Itabira.

Os orçamentos do “Plano Gillman” chegavam, entretanto, a ₤ 12,000,000, quantia já muito difícil de obter no mercado europeu em meio às crises políticas que acabariam levando à Primeira Guerra Mundial em 1914.

Além disto, vários banqueiros da Europa, sobretudo da Alemanha, temiam que os investimentos em ferrovias no Brasil estivessem para sofrer um duro golpe com a falência da Brazil Railway Company do milionário investidor Percival Farqhuar.

A Brazil Railway era a maior empresa ferroviária do Brasil na época, onde muitos banqueiros franceses haviam investido pesadamente entre 1906 e 1912.

Os banqueiros europeus passaram a fazer uma série de exigências à Itabira Iron, dentre elas a de que o Governo Federal garantisse os empréstimos no padrão ouro, imune a desvalorizações. A Itabira Iron ainda tentou obter este privilégio junto ao Governo Federal, desencadeando contra ela no Brasil uma séria oposição com denuncia do chamado “escandaloso plano de ourificação da Itabira”, nos meios políticos e na imprensa.

Esta oposição não tinha apenas raízes nacionalistas, como muitos achavam, mas escondia também os interesses de grupos nacionais e estrangeiros rivais que passaram a pressionar o Governo Federal para sabotar o possível monopólio que a Itabira Iron poderia usufruir no transporte do minério através da EFVM.
Terminada a Primeira Guerra Mundial, em 1918, a Itabira Iron passou novamente por uma reorganização de acionistas, sendo controlada por grupos ligados à indústria do aço inglesa.

Os novos acionistas procuraram obter apoio financeiro dos Estados Unidos, tentando primeiramente estabelecer contratos de venda de minério ao longo prazo com a Bethlem Steel e a United States Steel – principais grupos da indústria siderúrgica americana.


Como nenhum destes grupos mostrou-se interessado, a Itabira Iron decidiu em 1919 procurar nos Estados Unidos um representante que tivesse longa experiência em negócios no Brasil, recorrendo, então, justamente a Percival Farqhuar.

Referência


COELHO, Eduardo JJ; SETTI, João Bosco. A E F. Vitória a Minas e suas locomotivas desde 1904. Rio de Janeiro: Brasil, 2000.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

RIO DO DOCE (IMPRESSÕES DE UMA ÉPOCA – PRIMÓRDIOS DO SÉCULO XX)

Em Minas Gerais está não só a maior, como a mais rica porção da bacia hidrográfica do Rio Doce, com as jazidas minerais, as cachoeiras, seus mais poderosos e numerosos rios tributários, as mais importantes cidades. Para o Espírito Santo, que ele corta em duas metades (uma ao norte, outra ao sul), o rio tem uma relevância vital, que não foi ainda devidamente explorada e que, ao contrário, se vem depreciando a cada ano.

Como cidades mais importantes na bacia, podemos citar: Ponte Nova, Viçosa, Guanhães, Alto Rio Doce, Presidente Vargas (antiga Itabira), Manhuaçu, Mariana, Ouro Preto, Ferros, Caratinga, Aimorés, Colatina, Linhares, Governador Valadares.

Dos rios tributários, o mais importante é o Rio Piracicaba, particularmente pela grande atração das montanhas de minério de ferro e manganês. Ali, nas cabeceiras do Rio do Peixe, afluente da margem esquerda do Piracicaba, está a famosa cidade de Itabira, onde se encontra o minério de ferro abundante, da melhor qualidade e elevado teor metálico.

Mas à grandeza do Rio Doce faltou um elemento primordial: tivesse ele tido a ventura de atrair a si uma ferrovia, liderada por acentuado espírito público e uma larga visão de progresso, como nas outras regiões mais ditosas, e o Rio Doce de hoje seria o que todos aspiramos que ele fosse – algo de grandioso.

Só duas atividades foram planejadas no Rio Doce: primeiro a Estrada de Ferro Vitória a Minas, depois a extração do minério. Nenhuma delas beneficiou ainda a terra, ou o homem da bacia do Rio Doce; isso porque não houve um planejamento em que se cogitasse para primeiro plano a terra ou homem desta bacia.

Depois da Primeira Guerra Mundial, os desajustamentos decorrentes do desequilíbrio econômico do pós-guerra forçaram a organização da extração do minério em larga escala, algumas cidade interessaram-se pelo aproveitamento das sobras das atividades dela decorrentes, mas só nas imediações das jazidas em exploração, na parte alta da bacia.

Exploraram-se as reservas naturais da região para solucionar o problema econômico nacional. Mas é preciso não esquecer que a região geográfica que tão fortemente contribui para o conjunto, tem o direito de ser beneficiada com uma parcela do que ela produz, que a ele deve reverter transformada em possibilidade de progresso, em benefícios de civilização e de cultura, uma parcela da produção bruto que dela sai para objetivos da coletividade brasileira.

O Rio Doce, no início do século XX, era para o brasileiro um rincão lendário e não localizado. Terra de ninguém. Pela margem sul, esgueirava-se uma ferrovia, imprensada entre a faixa lisa e barrenta do rio e as encostas sulcadas pelos cortes, por vezes entre dois muros de gnaisse, na tentativa quase inútil, por que simulada, de levar civilização, só animada na realidade pelo incentivo tentador de alcançar para capitais estrangeiros as montanhas de minério de Itabira.

Na riqueza daquele caminho líquido desprezado, numa região onde não havia estradas pela dificuldade de construí-las, que poderia ser aproveitado, ao menos por trechos, e que só trazia à sofredora população marginal os prejuízos das enchentes e o perigo dos mosquitos da febre, nas vazantes.





REFERÊNCIA

MIRANDA, Salm. Rio Doce (Impressões de uma época). Rio de janeiro: Biblioteca do Exército. 1949.