Foi justamente em meio a toda esta
crise, em 1908, que um grupo de empresários ingleses procurou a diretoria da
Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas para saber do interesse em
transportar minério de ferro da região de Itabira em Minas Gerais – onde sabiam
existir grandes jazidas de minério de ótima qualidade – até o porto de Vitória
por um preço de frete pré-estabelecido.
Interessados na possibilidade de se dar
um novo e definitivo impulso econômico para a EFVM, seus diretores contrataram
imediatamente um estudo de viabilidade de acordo com as condições que o grupo
inglês havia proposto.
Este estudo, apresentado pelo engenheiro
Emílio Schnoor em janeiro de 1909, concluía que o transporte dentro dos preços
pré-estabelecidos pelos ingleses era viável desde que o traçado da ferrovia
fosse alterado de Diamantina para Itabira. Esta já havia sido construída dentro
de padrões técnicos mais rigorosos, dotada de trilhos e pontes de maior
capacidade e eletrificada em toda sua extensão, aproveitando o potencial
hiroelétrico existente no próprio rio Doce e seus afluentes. O estudo também
recomendava que a linha já construída entre Vitória a Colatina fosse
inteiramente retificada ou substituída por outra de condições mais eficientes.
Satisfeito com a conclusão deste estudo,
o grupo inglês voltou à Inglaterra e lá organizou o Brazilian Hematite
Syndicate, que imediatamente comprou as fazendas onde ficavam as principais
jazidas de minério de ferro na região de Itabira.
Não desejando perder a vantagem que possuía,
o Brazilian Hematite Syndicate negociou com Pedro Nolasco uma opção para compra
do controle acionário da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas,
condicionada à aprovação pelo Governo Federal da mudança do traçado da EFVM de
Diamantina para Itabira.
O Governo Federal, ao mesmo tempo
interessado no desenvolvimento que a exportação de minério de ferro poderia
trazer para o país, mas também pressionado por influentes políticos mineiros
que queriam uma ferrovia para Diamantina, acabou agindo para atender ambas as
partes, concordando, em princípio, com a mudança do traçado da EFVM para
Itabira, mas autorizou, primeiramente em junho de 1909, que a Companhia Estrada
de Ferro Vitória a Minas construísse um “ramal da EFVM” até Diamantina, só que
partindo de Curralinho (atual Corinto, MG), onde poderia fazer o entroncamento
com a linha do Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB).
Como a diretoria da Companhia Estrada de
Ferro Vitória a Minas aceitou o acordo nestas condições, obrigando-se a
construir este “ramal da EFVM”, destinado a nunca fazer uma ligação com a linha
tronco da EFVM entre Vitória e Itabira, isso só pode ser explicado pelo
espirito audacioso de Pedro Nolasco e Teixeira Soares em apostar o futuro da
EFVM no desenvolvimento da exportação do minério de ferro.
Cumprindo a outra parte do acordo, o
Governo Federal aprovou a mudança do traçado da EFVFM para Itabira num decreto
de dezembro de 1909, impondo ainda várias outras obrigações como a
eletrificação e a remodelação da linha, e o estabelecimento de uma usina
siderúrgica capaz de uma produção anual mínima de 120.000 toneladas.
Com a mudança do traçado aprovado pelo
Governo federal, o Brazilian Hematite Syndicate, finalmente, adquiriu em 1910 o
controle acionário da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas, garantindo a
efetiva propriedade da EFVM.
O ramal de Diamantina com cerca de 148
km entre Curralinho e Diamantina, também referido como “ramal da EFVM” ou
“Linha de curralinho” nos relatórios da EFVM, começou a ser construído a partir de Curralinho ainda em 1909,
chegando a Diamantina com a inauguração desta estação no dia 5 de maio de 1914.
Como já era previsto, a exploração do
ramal Diamantina acabou sendo inteiramente deficitária, tornando-se um fardo
econômico para a EFVM, até que a sua diretoria conseguisse habilmente que o
ramal fosse encampado pelo Governo Federal e entregue à Central do Brasil em
novembro de 1920, inclusive com pagamento pelo Governo de uma indenização
parcial pelo valor dos bens e materiais existentes.
Quando as negociações para o transporte
de minério de ferro já estavam praticamente acertadas com o Brazilian Hematite
Syndicate durante o ano de 1910, foram elaborados também projetos detalhados
para eletrificação de toda a EFVM, incluindo os trechos a construir e
remodelar.
O projeto de eletrificação foi
contratado à firma inglesa Dick, Kerr & Company e orçado em ₤ 3,640,000.
Na Inglaterra, com a associação de
banqueiros poderosos, o Brazilian Hematite Syndicate foi reorganizado numa nova
firma denominada Itabira Iron Ore Company, autorizada a se estabelecer como
empresa no Brasil em junho de 1911.
Entretanto, a legislação brasileira da
época exigia que a exportação de minério fosse aprovada também pelo Governo de
Minas Gerais, e este exigiu que a Itabira Iron pagasse adiantado uma quantia
referente ao frete acordado por um determinado período.
Como a Itabira Iron se recusou a fazer
este pagamento, todo empreendimento no Brasil ficou praticamente paralisado,
incluindo as obras de eletrificação que mal haviam começado.
Apenas a construção da linha continuou
da mesma forma precária e econômica anterior e assim mesmo só até janeiro de
1915 por conta do inicio da Primeira Guerra Mundial. A estação de Figueira do
Rio Doce (atual Governador Valadares, MG) foi inaugurada em agosto de 1910, e
até o final de 1914 estavam abertas ao tráfego 443 km de linhas e 26 estações.
Mesmo com a questão do contrato com o
Governo de Minas Gerais não tendo sido resolvida, a Itabira Iron tentou sem
sucesso obter os capitais necessários para realização de seu empreendimento no
período entre 1911 e 1914.
Novos projetos detalhados foram
elaborados, desta vez por Gustave Gillman, que desde 1910 era o
engenheiro-chefe e superintendente geral da EFVM.
O “Plano Gillman”, como ficou conhecido,
foi o primeiro a contemplar a construção de um porto dedicado ao transbordo de
minérios em navios de grande calado, escolhendo para isto um local às margens
do Rio Piraqueassú, a cerca de 5 km de sua foz no Oceano Atlântico, conhecido
como porto de Santa Cruz (atual Aracruz, ES), eliminando com isto a necessidade
de se retificar a maior parte do péssimo traçado entre Colatina e Vitória.
O novo projeto previa condições técnicas
ainda melhores para o transporte de minério.
Pelo novo traçado do “Plano Gillman”, a
linha da EFVM prosseguiria pela margem esquerda do Rio Doce após cruzar o Rio
Santo Antônio, continuando até a foz do Rio Piracicaba e daí pelo vale deste
rio, e depois pelo vale do Rio do Peixe até Itabira.
Os orçamentos do “Plano Gillman”
chegavam, entretanto, a ₤ 12,000,000, quantia já muito difícil de obter no
mercado europeu em meio às crises políticas que acabariam levando à Primeira
Guerra Mundial em 1914.
Além disto, vários banqueiros da Europa,
sobretudo da Alemanha, temiam que os investimentos em ferrovias no Brasil
estivessem para sofrer um duro golpe com a falência da Brazil Railway Company
do milionário investidor Percival Farqhuar.
A Brazil Railway era a maior empresa
ferroviária do Brasil na época, onde muitos banqueiros franceses haviam
investido pesadamente entre 1906 e 1912.
Os banqueiros europeus passaram a fazer
uma série de exigências à Itabira Iron, dentre elas a de que o Governo Federal
garantisse os empréstimos no padrão ouro, imune a desvalorizações. A Itabira
Iron ainda tentou obter este privilégio junto ao Governo Federal, desencadeando
contra ela no Brasil uma séria oposição com denuncia do chamado “escandaloso
plano de ourificação da Itabira”, nos meios políticos e na imprensa.
Esta oposição não tinha apenas raízes
nacionalistas, como muitos achavam, mas escondia também os interesses de grupos
nacionais e estrangeiros rivais que passaram a pressionar o Governo Federal
para sabotar o possível monopólio que a Itabira Iron poderia usufruir no
transporte do minério através da EFVM.
Terminada a Primeira Guerra Mundial, em
1918, a Itabira Iron passou novamente por uma reorganização de acionistas,
sendo controlada por grupos ligados à indústria do aço inglesa.
Os novos acionistas procuraram obter
apoio financeiro dos Estados Unidos, tentando primeiramente estabelecer
contratos de venda de minério ao longo prazo com a Bethlem Steel e a United
States Steel – principais grupos da indústria siderúrgica americana.
Como nenhum destes grupos mostrou-se
interessado, a Itabira Iron decidiu em 1919 procurar nos Estados Unidos um
representante que tivesse longa experiência em negócios no Brasil, recorrendo,
então, justamente a Percival Farqhuar.
Referência
COELHO, Eduardo JJ; SETTI, João Bosco. A E F. Vitória a
Minas e suas locomotivas desde 1904. Rio de Janeiro: Brasil, 2000.